Entrevista com a profª-Daniela Perri Bandeira

Entrevista com Daniela Perri Bandeira.
Mestre e Doutora em Educação pela Fae/UFMG-profª da Universidade Estadual de Minas Gerais e Formadora do Curso de Capacitação de professores Pró-letramento da Universidade Federal de Ouro Preto.

C.C.OS OLHOS-Professora Daniela,em sua opinião como trabalhar o desenvolvimento e aprimoramente de estratégias metacognitivas na leitura,com as crianças dos anos iniciais do ensino fundamental?

        Pensando no trabalho com as crianças,é preciso que oprofessor esteja presente nestas atividades.Então,é necessário que o professor juntamente com a criança,estabeleça objetivos de leitura,que o professor ajude a criança a fazer perguntas para o texto,levantando hipóteses.É interessante também que ele ajude a criança a produzir inferencias a respeito do texto,buscando nos conhecimentos prévios que ela para dentro de sala de aula,uma relação,algum sentido em relação aquele texto.Então,acho que estas atividades de monitorar a leitura,de aprimorar,de voltar na leitura,isto pode ser trabalhado pelo professor.Pode ser desenvolvido como uma estratégia dentro de sala de aula.

C.C.OS OLHOS-Sobre o levantamento de hipóteses,como o professor dos anos iniciais do ensino fundamental e também da EJA podem explorar de forma significativa este recurso com seus alunos leitores?

       Bom,há uma atividade,que é das mais utilizadas,que a gente chama de pausa protocolada,em que o professor,escolhe um texto e vai parando nas partes mais instigantes do texto,fazendo perguntas á respeito daquele texto.Par que as crianças,ou no caso,os adultos,levantem hipóteses,também questionem o que vai acontecer,enfim, construam perguntas.Não apenas objetivas,mas também perguntas que sejam inferenciais,que tenham a ver com seu conhecimento prévio,perguntas subjetivas.Que são perguntas onde ele vai expor a sua opinião á respeito do assunto.
      Tem um livro muito interessante,que é da Regina Dell Isola,que chama Leitura e Contexto Sócio-Cultural,foi a dissertação de mestrado e ela publicou este livro.E ele vai falar sobre isto,dá exemplos de atividades,em que o professor ensina e trabalha com o levantamento de hipóteses.
     Então assim,quando a gente pensa,criança e Eja,como fica isto?É importante que o professor,ele busque um texto adequado para cada faixa etária.Se for trabalhar com crianças,existem vários textos que você pode fazer este tipo de leitura.Uma leitura em que você para,faz perguntas daquele trecho antes de continuar,e se for com adultos também.Então,isto é perfeitamente possível,fazer este trabalho de levantamento de hipóteses,tanto na educação infantil quanto na Eja,vai depender do texto que o professor escolher, e do professor entender que as questões precisam ter estas caracteristicas,serem objetivas,inferenciais ou subjetivas.


C.C.OS OLHOS-  A respeito da pré-determinação de objetivos na leitura pelo professor,até que ponto você acha que o adulto pode utilizar desse aparato para que o aluno lembre mais e melhor aquilo que foi lido?
        
           Como eu disse inicialmente,é sempre interessante que antes de começar a leitura,o professor,ele juntamente com o aluno,busque ou apresente objetivos para a leitura daquele texto,por que?Porque você irá fazer uma leitura direcionada,se esta for a intenção.Quando você pensa em leitura para estudar,é importante,por exemplo,um texto informativo sobre qualquer assunto,que haja um direcionamento para aquela leitura,para que o professor,ele consiga deprender daquele texto,juntamente com o aluno,aquilo que é importante,aquilo que é interessante,para a aula,para disciplina dele.Agora,também há a leitura por prazer.E na leitura por prazer não cabe você estabelecer objetivos.
   

C.C.OS OLHOS-No contexto das crianças dos anos iniciais como fazer com que elas utilizem gradativamente seu conhecimento prévio na leitura,considerando que algumas crianças ainda não conseguem ler fluentemente?

       A criança não precisa,necessáriamente,saber decodificar para produzir inferências.Por que?Tem um autor que trabalha com a questão da leitura,é o Franklin Smith,não sei se vocês conhecem.Ele tem um livro já muito antigo, Compreendendo a Leitura,e ele vai falar sobre essa questão de informações, visuais e informações não visuais,certo?E o que ele diz é que as informações visuais ,elas são necessárias,mas as não visuais,elas fazem mais falta do que as próprias informações visuais do texto.Então,não significa que a criança tem que necessáriamente saber decodificar para produzir inferencias.Com o professor sendo leitor desta criança,o professor da educação infantil ,por exemplo,que trabalha,o alfabetizador que está começando seu trabalho de alfabetização,e ele quer trabalhar esta capacidade de produzir inferências com as crianças,ele pode ser esse leitor,e conduzir a leitura para isto.Agora,é claro que,a criança  se torna muito mais independente,quando ela adquire esta capacidade de decodificar.Ela adquirindo,vai se tornar uma leitora que a gente chama de leitor proficiente.Que é aquele leitor que a medida  que ele faz a leitura,ele vai levantando as suas hipóteses,buscando conhecimentos prévios,vai perguntando para o texto.
        Então a criança com habilidade de decodificação,ela ganha muito mais independencia para desfrutar da leitura de todas as formas,tanto uma leitura como estudo,quanto uma leitura como prazer.

C.C.OS OLHOS-Falamos muito em ensinar a ler.Mas o educador pode ensinar a compreensão, o processo cognitivo necessário á leitura? Como isso se dá?
        Pode se ensinar a compreensão.Nós temos algumas obras,como essa do Franklin Smith,"Compreendendo a Leitura","Como Facilitar a Leitura",Fulgencio e Liberato,"Oficina de Leitura",da Angela Kleiman,Texto e Leitor.São algumas obras que falam sobre esses processos de compreensão da leitura.Mas eu não creio que isso seja necessário por exemplo, para os anos iniciais,nem para a EJA.Isto ,eu acho que é necessário para o profissional que trabalha com leitura.Para vocês,por exemplo,que serão professoras.Eu penso que é interessante você compreender,como é que é isto que começa desde a informação visual,o cérebro vai captar e depois você vai processar.
        Então eles vão explicar todo esse processo,até chegar na questão da compreensão da leitura, que tem a ver com todo o seu contexto sócio-cultural,tal.Então eu acho que é importante,é possível,mas isto para quem vai trabalhar,o profissional da área que vai trabalhar com a questão da leitura e não para o leitor.Nem dos anos iniciais,nem do ensino médio e nem para o leitor de EJA, no caso vocês estão abordando também.
C.C.OS OLHOS-Podemos dizer que o educador forma leitores,ou a aquisição leitura é um ato indívidual?
       Olha,o educador,ele vai formar leitores,se ele encantar o seu leitor.
       O que  eu penso:é preciso que primeiro,para a criança,é claro que,naturalmente existem crianças que ficam encantadas com a leitura, sem ter que um adulto instigar para que a criança chegue neste ponto.Mas,por experiencia própria,eu tive professores,tanto de lingua portuguesa no colégio,quanto de literatura na faculdade de letras que me encantaram.E por me encantar,me seduzir, professores que te seduzem falando dos livros,dos autores,como Eça de Queirós,como Machado de Assis,outros autores da literatura brasileira,a forma como eles falam do autor,eles seduzem,encantam e cria na gente a vontade de ler.E a medida que você vai criando este hábito,você cria o gosto pela leitura.Quem fala isto também é Jose Mindlin,que faleceu,se eu não me engano,no ano passado.E ele fala muito isso,que é preciso que você inocule o virus da leitura no outro,para que ele fique contaminado pela vontade de ler.
     Então,eu acho que o educador,ele não vai formar o leitor,eu acho que ele vai encantar.E tem educador que encanta o aluno e consegue fazer com que ele tenha todo esse interesse de leitura.Como é o meu caso ,eu fui fazer letras por causa de um professor de literatura que me encantou.
C.C.OS OLHOS-Toda criança,ainda que muito pequena,tem um interesse natural,uma certa curiosidade por ler,e em conhecer os livros.Mas o que mais notamos é que ápos essa fase é grande o desinteresse pela leitura.Uma vez que o contato com os livros ocorre muito cedo,e o gosto pela leitura é demonstrado pela criança.A que você atribui o desinteresse demonstrado por jovens e adultos?
          Quando a criança está na educação infantil,a leitura é rodeada por magia,alegria,contação de história.Ela´vem com todas essas estratégias que os professores da educação infantil trabalham em sala de aula.Então não é uma leitura assim seca,sem graça.Acho que isto tem que ser levado até para EJA e até para a Universidade.Eu acho que as crianças perdem um pouco o encantamento e a vontade de ler porque o professor alfabetizador,as vezes,ele fica muito ansioso,e é mais do que natural,porque tem mais de 30 crianças,e ele tem que fazer com que aquelas 30 crianças saiam decodificando e codificando,isto é tenso para o professor alfabetizador.Então, eu penso que,por trabalhar muitas atividades de sistematização,de escrita,de leitura.Que são importantissimas e necessárias,a questão desta magia e do encanto da leitura,ficam um pouco de lado e vai se tornando cada vez mais de lado,a medida que a criança vai avançando no ensino fundamental,médio ou mesmo o aluno que chega em EJA e o professor tem aquela preocupação em alfabetizar.
         Então penso que , há essa perda de encanto,de magia , exatamente por esta questão,porque surge muitas preocupações.na educação infantil é livro que leva para casa no final de semana,e volta,e conta história,e tem que ler para a mãe e tem que ler para o pai.Tem todo um ritual em torno da leitura que é deixado aí perdido ao longo do caminho.

C.C.OS OLHOS-Para muitos,ler é prazer.Mas em casa os pais dizem:meu filho detesta leitura!
Em sala de aula,a frase é bem parecida: meus alunos não gostam de ler.
A verdade é que a grande maioria dos alunos não associam a leitura a algo prazeroso.É entediante,sem sentido.
o que fazer dentro e fora da sala de aula para que o aluno sinta prazer na leitura e não uma obrigação?
       Eu creio que a gente já está falando sobre muitos aspectos,mas dentro de sala de aula ,é o professor trabalhar com este encanto da leitura e também deixar com que o aluno leia o que ele gosta de ler.Não adianta você querer que o aluno goste daquilo que você goste! O adolescente,por exemplo,ou um aluno de EJA que tá voltando agora para escola,ele não vai gostar da mesma leitura que você,vamos dizer assim.Então é preciso primeiro que ele leio aquilo que ele tem vontade de ler.Que ele leve par dentro de sala de aula,eu sei que isso é muito polêmico,mas eu não tenho preconceitos com relação a estas  leituras mais,vamos dizer assim, populares como O Crepúsculo,que os adolescentes lêem as séries inteiras daqueles livros e vivem aquelas histórias.Eu acho que não há problemas em começar por aí,porque é preciso criar esse hábito da leitura e gostar de alguma coisa ,para que ele em meio a essa leitura,encontre talvez, uma ponte para autores,vamos dizer assim,mais clássicos, legitimados,como autores mais clássicos e considerados pela sociedade como melhores.
C.C.OS OLHOS-Segundo Angela Kleiman um grande número de profissionais da escrita,devido a sua formação precária,não são leitores,tendo,no entanto,que ensinar a ler e a gostar de ler.Por este motivo o momento da leitura em sala de aula,não passa de uma decifração de palavras.
O que se pode fazer com estes profissionais em termos de capacitação,de maneira que passem a ser incentivadores e formadores de leitores?


       
       Então,já imaginou um professor de natação que não goste de nadar?É muito engraçado isso,né?Um professor de literatura não gostar de ler,um professor de linguagem,de língua portuguesa não gostar de ler,é algo meio contraditório,meio estranho.A experiência que eu tenho como formadora de professores ,já há bastante  tempo,é mostrar,ajudar a essas professoras a encontrar novamente o encanto que foi perdido lá na educação infantil.Então,quando eu chego em sala de aula,eu faço com elas,com as professoras,auilo que eu acho que elas deveriam fazer com os alunos.Eu conto história para elas,leio poemas,poesias.Leio contos,cronicas,algo que acho interessante no jornal.Levo para essas professoras,nesses cursos de formação,porque elas se despertam e pensam:Epa!posso fazer isto com meu aluno também.
      Isto é uma experiência que eu tenho vivido no Pró-letramento,que é esse programa de formação de professores-alfabetizadores do MEC,que em todas as formações,em todos os módulos,eu trabalho muito com a leitura literária no inicio da aula com elas.E elas tem passado isto para as cursistas delas,que tem passado para os alunos.Então elas tem me apresentado um resultado excelente.E o que parece que tem feito mais diferença ali na prática pedagógica dessas professoras,é a questão da leitura literária.Isto faz com que elas  olhem para a escola,com que os alunos olhem para a escola,de uma maneira diferente.Eu acho que é fundamental na capacitação de professores fazer este resgate.Chamar o professor,vamos ouvir uma história?Vamos ler um poema?
        Eu acho que isto é fundamental.Não dá para trabalhar com formação de professores hoje,se você não trabalhar com literatura.


        Ao final da  entrevista  a professora Daniela nos presenteu com a leitura de um poema de Carlos Drumond de Andrade,Infância.Tendo declarado estar em uma fase apaixonada pelo autor.A leitura do poema veio enriquecer ainda mais o desenvolvimento deste nosso trabalho.E mais uma vez,nós do Colhendo Com os Olhos,agradecemos a grande contribuição de Daniela Bandeira.

    
Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre  mangueiras.
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que  aprendeu
a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Carlos Drummond de Andrade